Velhice



"Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice"

Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim'

Tema de hoje, a velhice!

Hoje não me sinto indeciso acerca do tema a escrever ou se hoje seria dia de escrever à sério ou com uma tónica de boa disposição, não, hoje vai ser a sério porque às vezes tem de ser assim mesmo e provavelmente esta será uma forma de aliviar um pouco uma mágoa que me acompanha.... a dor de pensar que qualquer dia posso ficar sem os meus avós que ainda se encontram vivos e a dor de ter perdido os meus avós paternos de quem sinto muitas saudades, pessoas que partiram ou que qualquer dia irão partir por ordem natural da vida!
Este tema surgiu ontem na minha cabeça durante uma agradável conversa a caminho de um capuccino delicioso com a minha mulher (aliás, toda e qualquer conversa nossa é sempre especial), em que falávamos acerca de umas pessoas nossas conhecidas, as quais têm tido alguns problemas com os pais/sogros e as doenças, queixas e limitações dos mesmos e da sua forma de reagir perante tais adversidades.
Todos nós já perdemos pessoas que nos eram queridas, de quem gostávamos e a dor inerente a essa mesma perda por norma fica dentro de nós durante muito muito tempo, eu diria eternamente! Por ser algo que me assusta e respeito muito, hoje resolvi escrever sobre a velhice, no fundo quero apenas partilhar convosco aquilo que penso sobre as pessoas a partir de determinada idade e daquilo que espero um dia da vida!
Quem me conhece sabe que sou capaz de brincar ou mesmo gozar com tudo e mais alguma coisa, capaz de dizer uma piadola parva acerca da maior crueldade feita ao cima da terra, mas apesar de às vezes brincar com os velhotes, respeito muito aquilo que são e além do mais a sua idade.
Às vezes dou por mim a olhar para alguém com muita idade e com admiração reparo nos traços que marcam os seus rostos, fruto dos anos que o corpo já sustenta e paro para pensar... sou um puto de vinte e nove anos e já passei por tanta coisa, já senti tanto tipo de emoções, de medos, momentos bons e maus....e apesar de achar que já passei por muito penso o quanto terá passado uma pessoa de setenta/oitenta anos, o que o mundo mudou, os que as pessoas mudaram, a vida em si, o dinheiro, a quantidade de gente que ao longo de todos aqueles anos viram partir e nascer, mudança de valores, o quanto trabalharam e trabalham ainda e às vezes com que força? Gosto muito do texto que coloquei no iníco deste Post, diz tanto e descreve tão bem aquilo que sinto e penso sobre a velhice, é uma grande descrição da mesma e umas das descrições mais correctas que já li, uma pessoa idosa já passou por tanto que por vezes já nada os surpreende, já nada lhes parece diferente, foram tantos anos e tanta coisa vivida que a cada dia que passa a única coisa que se altera é o seu corpo que vai enfraquecendo, mas existe algo que nunca muda, aquilo que lhes vai na alma, aquilo que são, as suas emoções, as suas mágoas, aprenderam a viver, a sofrer...
E é isso que vejo nos meus "velhotes", já com mais de oitenta anos, lutam ainda a cada dia para ser felizes, aliás, lutam a cada dia para chegar ao fim do mesmo com a sua missão cumprida, dada a incerteza de que se aquele será o seu último dia neste mundo!
Acho que por tudo aquilo que foram, viveram e sofreram merecem ser no mínimo respeitados, na minha opinião a idade é um posto e acho que alguém que já viveu o dobro, o triplo ou até mais do que aquilo que já vivi merece o meu respeito e nunca ser maltratado, e muito menos ser tratado como um empecilho para a vida de alguém quando muitas vezes esse alguém é quem é ou tem o que tem graças a esse "velho".
Vou-vos contar um episódio que presenciei há dois, três meses atrás, durante uma ida ao hospital. Apesar de me encontrar com pouca vontade de ver ou ouvir o que quer que fosse, enquanto aguardava por um exame mais demorado, um enfermeiro colocou perto de mim um senhor de muita idade, não sei precisar, com um ar cansado e frágil, fruto do seu estado de saúde mas também dos muitos anos já vividos....eram cerca das 04h30 da manhã e aquele homem estava ali plantado à espera que alguém lhe dissesse algo, de uma solução para aquilo que o inquietava. Foi então que por ali fora entrou uma senhora que dirigindo-se a ele de modos pouco próprios lhe disse que o melhor que o senhor teria a fazer era, na cadeira de rodas em que se encontrava, tentar dormir até que fosse de manhã e a assistente social ali viesse para resolver a sua situação, pois tinham contactado os filhos os quais haviam respondido que não viriam buscar o pai e que nem sequer queriam saber do mesmo. De olhos humedecidos e conformado, lá aceitou o que lhe havia sido dito, agravando o ar triste que já carregava, de quem se sente só e abandonado. Esta situação mexeu de uma forma brusca comigo, lembro-me de ter pensado para mim que aquilo a que tinha assistido era desumano e que algo assim era imaginável! "Não é justo" pensei para mim, porquê aquela rejeição e como seria alguém capaz de fazer algo tão cruel a alguém que lhe concedeu a vida, que os pôs no mundo, não obstante aquele ser indefeso que estava ali junto a mim poder ter sido o pior pai do mundo, mas é pai e é um ser humano. Não se faz, ponto!
E mais que tudo, existe algo que não nos devemos esquecer, hoje somos jovens ambiciosos que por vezes nos prendemos demais aos bens materiais, a uma carreira profissional, a uma vontade de ser melhor, de ter uma vida "recheada", de podermos ter um bom carro, casa, os nossos luxos, vícios, conjunto de coisas que por vezes alteram o nosso íntimo, esquecendo-nos quem somos, pensado então que uma pessoa idosa virou um problema, que provavelmente poderá ser uma força de atrito para se alcançar alguns objectivos, que a mesma pode ser uma prisão que impede de viver a nossa vida em pleno, que são apenas um pesado fardo... eu acredito que muitas vezes não seja fácil aguentar e apoiar quem precisa, até porque os velhotes muitas vezes voltam a ser crianças desejosas de atenção, de carinho, afecto, mas há algo de que nunca nos devemos esquecer, que um dia seremos nós seres cansados, que iremos precisar de alguém que nos cuide, nos mime, nos apoie e para muitos provavelmente só nessa altura darão conta que talvez por uma vida ocupada, um objectivo, orgulho ou o que seja, se esqueceram de fazer bem a alguém que merecia tudo e mais que tudo respeito!
Eu não sei aquilo que serei ou como será a minha vida daqui a alguns anos, o que sei é que respeitarei sempre quem já viveu mais que eu, que sabe mais que eu e que só pela sua idade já merece o meu respeito nunca nos devendo esquecer que um dia seremos nós....

Abraço

Nuno - Gorby ®

1 comentários:

baco_3 disse...

bem tu sabes o que penso em relação a este tema está muito pesado mas posso dar-te um bom conselho liga hoje para os teus avós e diz-lhes que gostas muito deles, isto escrito por alguém que não teve oportunidade de dizer isso aos seus pais, por isso vingo-me nos meus avós, abraço